CONFLITOS E DESAFIOS DA EMPRESA FAMILIAR
- Nilson Andrade Jr.

- 24 de ago. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de set. de 2020
Ao observar as fraquezas das organizações de natureza familiar é possível notar que as questões envolvendo a sobreposição da família, da propriedade e da gestão ficam em evidência. Os conflitos presentes nas empresas familiares, em sua maioria, são decorrentes dos diferentes papéis e expectativas dos indivíduos na posição de proprietário, gestor ou membro da família. Os conflitos também são originados dos processos de percepção dos indivíduos, ou seja, são resultantes de pontos de vista completamente diferentes de acordo com a nossa percepção sobre um acontecimento e não, necessariamente, da realidade.
Os integrantes da família apresentam dificuldades em alterar de papel apenas pelo fato de estar no cenário empresarial. Essa situação ocorre devido a família consistir em um conjunto de laços sanguíneos, afetivos e psicológicos indissolúveis; além disso, essa confusão de papéis tem influência da história de vida, as motivações, conflitos psicológicos e expectativas já estabelecidas pela família e pelo individuo no passado. Como resultado, grandes conflitos instalados no âmbito familiar, como ciúmes, rivalidades, agressões, sentimento de invalidez, entre outros, são transferidos para as empresas e tornam-se prejudiciais ao funcionamento das empresas.
Já as diferentes expectativas e os interesses dos indivíduos presentes nas empresas familiares podem ser observadas na Tabela 1, discriminadas pelos setores do modelo de três círculos. Ressalta-se que apesar da divergência de interesses em relação a empresa pelos diversos membros da família, não significa que esses interesses sejam ilegítimos.
TABELA 1 - Setores existentes no modelo de três círculos, com seus critérios de categorização e os interesses de seus membros



Fonte: Desenvolvido a partir de Casillas, Vázquez e Díaz (2007); Gersick et al. (2017); Campos, Bertucci e Pimentel (2008).
Tanto as empresas familiares quanto não familiares enfrentam os desafios da estratégia, planejamento, gestão e governança corporativa. No entanto, uma das diferenças entre eles é que se as não familiares forem mal geridas, podem substituir seus gestores. Medida que não ocorre com facilidade nas empresas familiares e tendem a ser mais complexas pelo fato dos cargos de gestão serem ocupados por integrantes da família.
Outras falhas/desafios são encontradas nos sistemas de gestão dos negócios familiares, como paternalismo e protecionismo, ingerências indevidas, ausência de metas e objetivos claros, resistência no estabelecimento de controles gerenciais formais, centralização e dificuldades em compartilhar o poder decisório, decisões de caráter emocional, inexistências ou fragilidade dos sistemas contábeis e de apuração de custos, confusão patrimonial e financeira, sistemas de planejamento estratégicos e operacionais frágeis ou inexistentes, entre outros. Se não for encontrado um equilíbrio adequado para esses desafios, a empresa e a própria harmonia familiar serão comprometidas.
Empresas familiares são, em sua maioria, caracterizadas por processos informais, em que as decisões são tomadas de forma subjetiva e pessoais, quando não emocionais de modo que profissionais e sucessores são nomeados, respectivamente, por critérios afetivos e de hereditariedade. Desse modo, a predominância de aspectos como confiança e lealdade em detrimento de competências técnicas e habilidades específicas gera uma grande fragilidade nos momentos de alteração de comando.
A sucessão abre caminho para a renovação organizacional, assim como para crise, que, geralmente, é a mais forte enfrentada por empresas familiares. O processo sucessório das empresas familiares representa um ponto crítico para o futuro da empresa, afetando seu desempenho e sua perpetuação. A passagem de controle sempre consistiu em um momento de risco para empresas familiares e muitas delas continuam abordando esse assunto como um evento único, não como um processo que leva tempo para ser completado de modo a contribuir para as falhas de transferência de poder e controle para as gerações futuras.
Com o amadurecimento da empresa, crescimento da família e, consequentemente, surgimento de potenciais sucessores, a probabilidade de conflito aumenta, especialmente, se as pessoas envolvidas agirem de maneira emocional e não racional. Para o fundador da empresa ou CEO, em diversas casos, a palavra sucessão sozinha já tem potencial de gerar uma grande reação emocional. Essa reação pode ser vista na pesquisa de Flores Junior e Grisci, a qual expôs a postura ambivalente da pessoa que será sucedida ante o filho sucessor. Notou-se que em certos momentos os filhos sucessores apresentavam características que geravam admiração e respeito pelos pais-sucedidos, ao mesmo tempo que poderiam florescer neles outros sentimentos, como inveja e medo, as vezes até certa rivalidade.
Desse modo, é comum que o sucedido, teoricamente, transfira a gestão das operações, mas continue na prática com o controle total sobre os aspectos relevantes da empresa. Ademais, é recorrente o sucedido postergar ou evitar discussões sobre seus planos de sucessão com os futuros sucessores que esperam assumir o cargo; essa situação gera incertezas e pode levar a um desalinhamento completo entre o planejamento do líder atual e o que a próxima geração.
O dilema intrínseco enfrentado por empreendimentos familiares no momento dos processos de sucessão e de profissionalização é: crescimento versus controle. Observa-se uma tendência nesse tipo de empresas de persistirem com o controle. No entanto, com o cenário econômico atual, este hábito possui cada vez menos espaço, o que leva ao rompimento desse paradigma.
Nesse momento, os desafios enfrentados pela família empresária são: gerenciar essa transição e reconhecer a necessidade que ela própria deve mudar para a organização ter êxito. A perda de controle e o aumento da disciplina é exigido e precisa ser aceito, mesmo com ambas determinações sendo difíceis de serem realizadas, em especial, quando indivíduos com fortes personalidades estão envolvidos. Portanto, a necessidade urgente que precisa ser priorizada é a profissionalização não só da empresa, mas, principalmente, da família.
A profissionalização da empresa está relacionada com as operações e infraestrutura de tecnologia, já a da família denota a adoção de processos para controlar a interação da família com o negócio, o que exige a criação de uma infraestrutura que oriente a tomada de decisão e, também, a implementação de canais formais de comunicação. Com isso, os interesses dos membros da família são protegidos e a sobrevivência da empresa é assegurada. Acrescenta-se que o ponto fundamental para uma empresa familiar alcançar o profissionalismo é a atitude da família perante a profissionalização do negócio, e não, somente, a contratação de executivos profissionais de fora da família.
E ai, você já passou por algum desses desafios? Compartilhe conosco como foi sua experiência! Vamos aprender juntos.
Autor: Nilson Andrade Jr.
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