GOVERNANÇA CORPORATIVA
- Nilson Andrade Jr.
- 21 de set. de 2020
- 5 min de leitura
Como surgiu
A Governança Corporativa passou a estar em evidencia com os casos de abusos cometidos por dirigentes de empresas nos Estados Unidas no início da década de 80, como o do caso Texaco. Essa situação gerou conflitos entre os acionistas, os dirigentes das empresas e demais stakeholders das organizações. A assimetria de interesses entre as diversas partes interessadas fez com que, a partir da década de 80, surgissem estudos e pesquisas nos âmbitos acadêmico, empresarial e governamental, culminando em novas leis, novos procedimentos e práticas de gestão para reduzir os conflitos gerados, conhecidos como conflito de agência.
A partir da experiência adquirida da prática das sociedades anônimas de capital aberto no mercado de capitais surgiu a Governança Corporativa. Os escândalos corporativos da Enron, WorldCom e Parmalat colocaram os sistemas de controle empresariais em evidência, levantando a atenção de órgãos reguladores do mercado de capital e de acionistas. Como resposta, além da aderência às normas contábeis (compliance), foi proposto pela Security and Exchange Comission (SEC), órgão americano análogo à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira, que as empresas deveriam seguir um conjunto de normas internas de modo a reduzir ou extinguir os riscos de fraudes financeiras.
O protocolo de regras foi redigido em um código chamado de Lei Sarbanes-Oxley, também conhecido como SOX, que foi discutido e aprovado pelo Congresso Americano no ano de 2002. Esse código prevê a aderência à procedimentos de controles internos, assim como a criação de conselhos, auditoria interna, comitês e outras estruturas que visam aumentar a confiabilidade e transparência das informações financeiras das organizações e, também, proteger os acionistas minoritários de decisões, tomadas pelos majoritários e pelos executivos, que venham a lhes prejudicar. De modo geral, a Governança Corporativa estabelece o Estado de Direito na sociedade anônima, estreitando os laços entre os stakeholders.
Desse modo, em sua criação, a Governança Corporativa e suas estruturas tinham como intuito atender e sustentar o compliance contábil e a aderência à SOX, ou seja, para atender as necessidades legais. No entanto, atualmente, o tema governança empresarial se estende além do escopo do funcionamento incorreto perante a legislação; ela é adotada por criar um ambiente de confiabilidade entre a empresa e sócios, investidores, fornecedores, clientes e funcionários. Ademais, ao contrário do que muitos pensam, a Governança Corporativa abarca não apenas as grandes empresas de capital aberto, mas sim todas elas, independente de ela ser grande ou pequena, aberta ou fechada, industrial ou de serviços e familiares ou não familiares.
Conceito
Alguns autores definem governança como sendo a forma pela qual as organizações são dirigidas, controladas e governadas. Há também aqueles que a conceituam como um conjunto de práticas, instâncias e princípios formais ou não, que determina a estrutura de poder e o sistema de relacionamentos entre os indivíduos integrantes da empresa familiar.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa apresenta uma definição com maior detalhamento, considerando a Governança Corporativa como: "[...] o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum [...]".
A governança da empresa familiar busca equilibrar os desafios inerentes à essas estruturas, como equacionar a relação e os sentimentos dos parentes envolvidos, estabelecer novas lideranças, estabelecer a transição de gerações, pulverizar a estrutura proprietária e levantar recursos. Em outras palavras, a governança corporativa na empresa familiar busca equilibrar e harmonizar os interesses individuais ou pessoais e os organizacionais, que em geral está relacionado a sobrevivência da empresa no longo prazo. Além disso, visa preparar os herdeiros para seus futuros postos, profissionalizar a família e a gestão, e ainda criar mecanismos e estruturas transparentes para seus stakeholders.
A governança gera um senso de estabilidade, bem como de propósito e missão para o grupo. Sem a governança adequada não é possível ter a estabilidade necessária para construção de planos de longo prazo e, por consequência, as empresas familiares perdem suas vantagens perante as demais organizações. Uma boa governança é resultado da existência de diversos instrumentos e estruturas, como regras, políticas, acordos, planos, conselho de família e administração, reuniões anuais dos proprietários, para resolver divergências e questões que venham a aparecer. As melhores práticas e os princípios base da Governança Corporativa podem ser visto na Figura 1.
FIGURA 1 - Governança Corporativa

Fonte: ESTADÃO; 2018
Princípios
Todas as melhores práticas de Governança Corporativa estão consideradas, em maior ou menor grau, em seus princípios básicos. Adotar apropriadamente esses princípios, que são abordados na Tabela 1, leva a um ambiente interno de confiança, assim como nos relacionamentos com terceiros.
TABELA 1 - Descrição dos princípios da Governança Corporativa

Fonte: IBGC, 2015
Ferramentas e práticas da governança
As ferramentas e práticas de Governança Corporativa aplicadas em empresas não familiares também podem ser utilizadas nas familiares para orienta-las na transposição de seus dilemas e desafios. Algumas dessas ferramentas salientam a necessidade de considerar as especificidades da estrutura empresarial e ciclo de vida que a organização familiar se encontra. São elas: Conselho de Administração com conselheiros independentes, critérios para a seleção do CEO/sucessor, separação entre CEO e presidente do Conselho de Administração, mecanismos de sucessão, conselhos de família e de herdeiros, auditoria independente, abertura e divulgação de informações, entre outras.
Ademais, o protocolo familiar é considerado um instrumento importante para a redução das rivalidades e tensões estruturais das empresas familiares. O protocolo familiar pode ser definido como "[...] um documento básico, pelo qual a empresa se define e que, além de conter o regulamento pelo qual são ajustadas as relações pessoais, profissionais e econômicas entre família e empresa - e entre elas e a gestão -, tem como principais objetivos preservar a continuidade da empresa familiar e ajudar em seu desenvolvimento, preservando-a."
Por fim, a reunião de acionista, que assim como nas corporações de capital aberto tem objetivos informativos. No entanto, em empresas familiares essas reuniões podem ser uma boa maneira de manter o espírito de propriedade, mantendo as gerações futuras comprometidas com a empresa tanto psicologicamente quanto financeiramente. Além disso, são excelentes oportunidades para interação entre os familiares, que trocam informações e mantém os relacionamentos vivos.
Autor: Nilson Andrade Jr.
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